Flavio de Souza*
Era uma vez uma bordadeira chamada Filomena que vivia com dores em seus dez dedos das mãos e em seus dois olhos.
Porque desde a hora em que acordava até a hora em que se deitava para dormir, ela bordava, bordava, bordava, bordava, bordava, bordava, bordava, bordava. Só não bordava enquanto comia, quando ia à igreja e enquanto fazia aquelas coisas que todo mundo faz no banheiro.
Isso acontecia porque ela bordava muito bem. Bordava tão bem, que todas as princesas daquela parte do mundo queriam ter vestidos e blusas e casaquinhos e lenços e saias e xales e até sapatos com bordados feitos pela Filomena.
Ela vivia tão cansada que já tinha esquecido da última vez que tinha sorrido. De quando tinha dado uma risada, então, nem se fala. Gargalhada? A última que saiu de dentro dela foi quando ela ainda era uma menininha.
Quando se aproximou a data do aniversário da princesa do reino onde ela morava, a bordadeira foi mais requisitada que nunca, e suas mãos doeram como nunca, e seus dedos ficaram mais picados que nunca, e o mau humor da Filomena, pior que você sabe quando.
Ela ficou com tanta raiva de tudo e de todos, que se trancou em seu quarto de bordar, rodeada de panos, linhas e agulhas, e começou a bordar e contar para si mesma a história da princesa que engasgou com uma semente de romã e nasceu um pé de romã dentro dela e ela se transformou numa raiz e viveu muitos e muitos anos enfiada dentro da terra, há, há, há!
É claro que essa história não existia. A Filomena inventou para se vingar de todas as princesas, e então...
... de repente se sentiu tão descansada! parecia um milagre! Estava com o corpo leve. Os dedos lisinhos. As mãos macias. Os olhos relaxados. A Bordadeira soltou um longo e barulhento bocejo enquanto se espreguiçava, e sentiu vontade de sorrir, e sorriu, riu, gargalhou. Ela achou graça de uma coisa que passou pela cabeça dela. Estava com a sensação absurda de que tinha dormido durante cem anos! E, com muita vontade e alegria, voltou a bordar.
De repente um rapaz muito bem vestido e elegante e atlético e até um tanto formoso entrou pela janela. Assim que se olharam, Filomena e esse rapaz, que era um príncipe desencantado, se apaixonaram um pelo outro. Esse era um príncipe desencantado porque tinha vindo de muito longe para acordar a princesa adormecida com um beijo, mas chegou algumas horas tarde demais. Um outro príncipe tinha chegado antes e feito a façanha.
Mas o príncipe desencantado ficou encantado com a Filomena, e, ajoelhando-se na frente dela, pediu sua mão em casamento. A bordadeira, que depois de muitos anos estava de muito bom humor, respondeu que só a mão ela não dava não: se o príncipe quisesse, teria que casar com ela inteira.
No dia seguinte os dois ainda estavam rindo da resposta da bordadeira. Eles riram enquanto ela fazia suas malas, riram no caminho para a igreja, riram no altar, durante a cerimônia, e riram durante todo o trajeto para o reino onde o príncipe morava. Foi lá que a Filomena ficou conhecida como a Princesa Prendada, e onde ela e seu marido riram e viveram felizes para sempre. FIM.
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